Jurassic Park, filme de Steven Spielberg baseado no livro homônimo de Michael Crichton, é uma espécie de fábula moral sobre os perigos da manipulação da tecnologia pelos humanos, o fracasso da humanidade por meio disso, a influência da tecnologia na condição humana e os avanços científicos que dão errado.
O trabalho de Crichton, pioneiro no gênero moderno denominado techno-thriller, foi sempre salientar e discutir a perigosa aceitação do poder tecnológico pela humanidade sem considerar a segurança ou repercussões éticas. Isso é observado em todas as obras do autor, de The Andromeda Strain (1969) a sua série ER – Plantão Médico (1994), em que Crichton afirma que o homem não deve perder de vista sua humanidade ao lidar com a aplicação da ciência e da tecnologia, explorando os perigos de confiar nessa mesma tecnologia.
Além disso, apesar de a maioria do público que assiste Jurassic Park saírem do cinema apenas chocados com a magnitude do CGI e da produção, o filme também dá longas pinceladas sobre os perigos que a ambição humana pode oferecer, como a cegueira, acompanhada pelo egoísmo e a ganância, responsáveis por guiarem os avanços científicos.
Muito embora a história tenha um contexto distópico, alguns aspectos dela, como os mencionados acima, estão mais presentes do que nunca, e os últimos pseudodinossauros vivos da Terra, os dragões-de-Komodo, são testemunhas disso.
Os dragões de Komodo acabarão como uma atração em um ‘Parque Jurássico’?
“As pessoas aqui vivem com o dragão de Komodo, que eles chamam de ‘ora’ ou respeitosamente ‘sebae’ – gêmeo do povo de Komodo. Mas agora o Parque Nacional de Komodo e seus habitantes estão em grande perigo ”, avisa Umbu Wulang, Diretor da WALHI NTT, uma ONG ambientalista.
O Parque Nacional de Komodo é Patrimônio Mundial da UNESCO desde 1991. A maioria dos 3.000 dragões de Komodo (Varanus komodoensis) – os maiores lagartos do mundo – vivem aqui. Os recifes de coral, tartarugas marinhas, arraias, baleias e golfinhos são um testemunho da rica biodiversidade do mar circundante.
Idealmente, o Parque Nacional de Komodo deveria ser fechado ao público para permitir sua recuperação do turismo e do tráfico de vida selvagem, mas agora os projetos de construção em nome do “ecoturismo” estão ameaçando a natureza e a população local. Em vez de proteger os dragões de Komodo, o presidente Joko Widodo quer impulsionar um novo boom do turismo.
Os desenvolvedores chamaram o projeto do Geoparque na ilha de Rinca de ‘Parque Jurássico’. A taxa de admissão para o resort de luxo foi fixada em US $ 1.000. As concessões foram atribuídas a grandes corporações sem avaliações prévias de impacto ambiental ou foco na ciência, e sem levar em consideração os conceitos locais existentes para o turismo limitado.
Para a população local, um ‘Parque Jurássico’ significaria reassentamento e a perda de seus meios de subsistência como guardas florestais, vendedores de souvenirs ou pescadores. Para a natureza, isso implicaria danos ao ecossistema, uma ameaça aos dragões de Komodo e o impacto de esgoto e descarga de areia no mundo subaquático.
Os protestos na Indonésia até agora não tiveram sucesso. “Este‘ Jurassic Park ’irá destruir a natureza e os meios de subsistência das pessoas que viveram com os dragões de Komodo desde tempos imemoriais”, disse Umbu Wulang, nos convocando para pressão internacional para salvar os últimos dragões.
Destruição sistemática
(Fonte: The Independent/Reprodução)
A Ilha Rinca, no Parque Nacional de Komodo, parte do arquipélago da Indonésia, é um refúgio de 1126 quilômetros quadrados de pura fauna e flora, tornado Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) desde 1980 e transformado pelo governo indonésio em um ponto turístico premium.
O local deveria ser onde os dragões-de-Komodo pudessem viver para sempre sem serem incomodados pela influência humana, visto que é o único lugar na Terra que sobrou para eles, que chegaram ao arquipélago há cerca de 4 milhões de anos, vindos da Austrália.
Ao longo dos anos, os dragões se espalharam por Flores, Bornea e outras ilhas, quando os níveis de água eram mais baixos, o que permitiu conservar a sua raça — visto que, com a chegada dos primeiros aborígenes ao território australiano (através do mar do sudeste asiático entre 40 e 70 mil anos atrás), os animais começaram a ser extintos.
(Fonte: Cruising Indonesia/Reprodução)
Por muito tempo, o Parque Nacional de Komodo permaneceu livre de humanos, até que o governo indonésio o fechou aos visitantes — que nem sequer deveriam pisar no habitat dos animais — após denúncias de que uma quadrilha estava contrabandeando os lagartos da ilha. Segundo a BBC, dos 45 animais roubados, 41 foram vendidos até o momento que a matéria foi escrita.
Esse escândalo serviu apenas de pretexto para alimentar a ideia capitalista e ambiciosa das autoridades indonésias, que deram início ao processo de terraplanagem do Parque Nacional de Komodo para a construção de um mega resort turístico, com o intuito de fazer dele uma nova Balí.
A natureza contra o homem
(Fonte: UCA News/Reprodução)
Contas pela rede social Twitter, como a do usuário @KawanBaikKomodo, fizeram o possível para divulgar a profanação do ambiente natural pelo projeto de construção. Uma foto compartilhada pelo grupo ativista Save Komodo Now surgiu no Instagram no ano passado, causando a fúria dos ambientalistas ao capturar trabalhadores sentados no topo de um caminhão observando um dragão-de-Komodo andando pela terra revirada na zona de obra.
Como aponta a IFL Science, funcionários da UNESCO entraram em contato com o governo indonésio para afirmar que o projeto, cujos detalhes não foram divulgados, levanta a questão de como esse modelo de turismo se encaixa na visão do Estado de se afastar do turismo de massa para abordagens mais sustentáveis.
Em resposta, o Diretor-Geral de Conservação da Natureza e Ecossistemas do Ministério do Meio Ambiente da Indonésia disse, de maneira cínica, que o projeto prosseguiria, e que provava que não oferecia nenhum impacto ao habitat dos dragões.
(Fonte: The Business Times/Reprodução)
Contudo, a foto simbólica do dragão e o caminhão dividindo espaço diz o contrário. Foi por isso que a imprensa mundial apelidou o projeto indonésio de “Jurassic Park da vida real”, que continua sendo desenvolvido sem informações.
“Esse tipo de desenvolvimento massivo perturba a interação dos animais. Isso mudará totalmente seu habitat”, disse Greg Afioma, membro da Save Komodo Now. Atualmente, cerca de 2 mil habitantes indígenas vivem nas ilhas de Komodo, Rinca, Padar, Nusa Kode e Gili Motag ao lado dos animais.
Como questiona a matéria da BBC: qual será o impacto desse projeto no futuro? Alguém ainda se preocupa com a preservação?